segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

Carnaval

Ruas intermináveis descortinavam-se à sua frente, convidativas como brigadeiros e beijinhos daquela festa que nunca teve. Tudo era motivo de lágrimas, em plena agitação geral, quase uma convulsão febril coletiva, que revolucionava os espíritos num transe anímico de proporções bestiais. Mas, como se disse, tudo era motivo de lágrimas. Risos, cantos, pulos, a efervescência dos hormônios transbordando por poros rasgados ao vento, prostituídos, à espera de um consolo abrasador. E no meio disso, lágrimas, intermitentes lágrimas, incômodas lágrimas, inefáveis lágrimas. Tantas ocasiões mais propícias, e elas calharam de vir à tona logo ali, no mais inoportuno dos momentos e no mais inconsequente dos lugares. Sorte sua não lhe prestarem muita atenção: a música acabara de atingir o que parecia seu ápice, subindo a picos cada vez mais elevados de uma energia incontrolável. Um desavisado qualquer seria brutalmente surpreendido pelo arroubo frenético que possuía a todos, mas ele já estava acostumado a esses ciclos contínuos de explosão. Perguntava-se, aliás, por que não explodia também, porque não esquecia a tristeza que lhe engolfava a alma e liberava seu corpo à ação extasiante das dopaminas e endorfinas prontas a mergulhá-lo no mais incrível dos prazeres. A cada pensamento desse, contudo, só reagia banhando seu rosto mais uma vez com o néctar supremo dos fracos e deprimidos. E quando porventura resolvia levantar a cabeça, secar os redondos zigomas que sustentavam suas monstruosas bochechas, deparava-se com aquele amontoado de ruas, como se estivessem estendendo-lhe uma mão invisível ou sussurrando-lhe ao pé do ouvido uma mensagem incompreensível, vinda de quem menos esperava - e, àquela altura, incapaz de acender nele uma faísca sequer de esperança. Restava-lhe, pois, chorar e chorar e chorar, ao som da música que tocara na festa que nunca teve.