quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Esquizofrenia

Ele era esquizofrênico. Tinha certeza disso. Motivos não faltavam: há mais de um mês ele pensava estar sendo perseguido por todo lugar aonde ia. Chegava a ver o rosto de homens mal encarados, portando revólveres ameaçadores, apontados sempre em sua direção. O mais interessante, porém, era ele ter plena consciência disso, pois mania de perseguição é o que mais ocorre com a maioria dos pacientes acometidos de esquizofrenia. Agora, reconhecer a doença era algo surpreendente. E, além disso, ele se dispôs a ir a um psiquiatra procurar tratamento. Reconhecia que representava um perigo para seus familiares e amigos, afinal nunca se sabe quando se vai perder o controle. O médico ficou espantadíssimo ao ver e ouvir aquele rapaz, ainda jovem, entrar pelo seu consultório decididamente e dizer doutor, tenho esquizofrenia. Nunca a literatura médica registrou um caso de paranóia no qual o paciente a reconhecesse como tal. O psiquiatra vislumbrou inclusive uma possibilidade de faturar algum título, quem sabe até internacional, e pôs-se a discorrer sobre as possíveis explicações para aquele caso, provavelmente o lobo antero-lateral direito do córtex pré-frontal apresentava neurônios preservados da patologia devido à ação de neurotransmissores etc etc etc. Enfim ambos decidiram-se pela internação do doente. Ele tratou de, no dia seguinte, procurar o melhor sanatório da cidade e dar a entrada o quanto antes. O lugar era confortável, o mínimo que se esperaria frente à fortuna que era a mensalidade. Assim que chegou, foi medicado, mas continuava a se queixar de alucinações. Seguiu para o quarto. Algumas alucinações eram até engraçadas, bem doidas mesmo. Que importa, agora ele estava seguro, sua família também, podia relaxar e aproveitar sua estada. De madrugada, acordou sobressaltado. Ouvira ruídos de arrombamento. Ficou de pé. O remédio estava demorando pra fazer efeito. De repente, viu um vulto. Não teve tempo nem de gritar. A bala entrou silenciosamente por seu crânio, pondo um fim à sua vida. O algoz saiu com cuidado pela janela. Só fizera seu trabalho. Quem mandou não pagar as ampolas de LSD...

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Psicologia

A psicologia é uma coisa até interessante. Tanto que levou-a a cursar a faculdade. E que faculdade! Por que a exclamação? Você acha que é uma referência aos bons professores, às boas instalações etc etc etc? Não. Quando se está na faculdade, uma só coisa realmente importa: festar. Muito. E ela se lembrava de cada uma daquelas festas. Inclusive tinha a daquele dia à tarde, todo mundo se beijando ao ar livre e [trecho censurado para menores de 18 anos, e sendo o autor menor, sinto muito, vão ter de se contentar em saber só isso], mas, enfim, agora estava lá no consultório, ouvindo um cara. Que, por sinal, não parava de falar. O saco dessa profissão é isso: o povo gosta de falar. Essa, aliás, deve ser a atividade de que o ser humano mais gosta (depois do sexo, talvez, mas só em alguns casos). Basta observar qualquer reunião de pessoas. A conversa sempre prevalece. Não importa se aquele p.h.D em gestão empresarial de banheiros está falando, sempre alguém vai virar do lado e perguntar e aí, como foi o churrasco, a carne tava boa, e daqui a pouco nosso ilustre palestrante vai se ver falando apenas para a tia solteirona que está a fim dele. Mas voltando ao consultório, ela percebia que a boca de seu paciente se mexia sem parar. Obviamente, não ouvia nada. Naquele momento, seu cérebro concentrava-se em analisar as cortinas, será que não devia trocá-las, com um fundo musical de Ivete. De repente, o homem fechou a boca. Ela percebeu e, fazendo-se de desentendida, perguntou desculpe, mas você quer o quê, passando a impressão de que o pobre coitado pedira algo absurdo. E ele respondeu, quero que me diga o motivo para eu estar fazendo terapia. Putz! Aì ferrou legal. Esse era o tipo de paciente que faz um joguinho de gato e rato, incitando o psicólogo a descobrir o problema e solucioná-lo antes que ocorra um suicídio. Ela pediu-lhe que voltasse amanhã, pois o horário já tinha acabado. Despediram-se, e ela ficou lá. Seus colegas tinham comentado de casos parecidos, que acabaram tragicamente. Mas ela estava disposta a lutar. Passou a noite inteira lendo os livros da faculdade, engolindo-os quase. Se fosse Freud, diria que tinha alguma coisa a ver com a mãe, mas ela sentia algo além disso. Finalmente, o dia seguinte chegou. O paciente bateu na porta, ela abriu. Sentaram-se. Solenemente, ela ergueu a cabeça e disse: "Você faz terapia porque (tchan tchan tchan) eu preciso ganhar dinheiro".

P.S.: L'argent, toujours l'argent... (não entendeu põe no tradutor XD).

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Homenagem aos românticos

Vivia numa metrópole. Qual? Não importa. Todas são iguais em sua agitação cinza-pálido, modorrento, que nos engole num ciclone de fumaça e poeira. E ele observava isso pela sua janela. Olhava a rua, cortada por carros. Velozes. Eles transmitiam perfeitamente o sentimento que trazia dentro do peito: uma convulsão vulcânica, espirrando os incandescentes destroços de um coração partido. Não, não ocorrera nenhuma traição. Muito menos a morte dela. Pelo contrário. A vivacidade rubra do sangue arterial permanecia viva em sua cálida face. O problema era justamente aquela imposição ridícula, resquícios de um patriarcalismo rude e preconceituoso! Afinal, de que importava se ele não tinha dinheiro, o amor bastava, é o alimento perene da alma, que supera todas as vis necessidades materiais de uma sociedade corrompidamente burguesa. Além do mais ele era jovem, via despontar a aurora de sua vida, época em que as paixões inquietam o corpo, fazendo-o verdadeiro refém, impotente, frágil. Olhou novamente a rua lá fora. Descansou as pálpebras. Imaginou-se no cimo de um penhasco sobre o mar revolto, as ondas chocando-se violentamente contra a rocha. Um cenário de fazer inveja ao pobre Werther, que teve de se contentar em morrer no próprio quarto. Deixou os ruídos dos escapamentos entrarem por seus ouvidos, infectarem seu cérebro. Estava decidido e nada poderia convencê-lo a desisitir de seu intento. Já que não podia derrubar o opressivo sistema que esmagava seu amor por ela, entregava-se inteiramente às incertezas da morte, solução a mais tranqüilizadora que podia vislumbrar. Sentiu o ácido odor sulfúrico que os automóveis emitiam em sua direção.Fazia isso por amor a ela. Queria gritar para que todos soubessem. Era sua homenagem final. Dedicava-lhe o último suspiro, assim como lhe dedicara cada segundo de seus dias, apenas pensando em sua magnífica beleza. Contou até três. E jogou-se pela janela. Sem olhar para trás. Sem hesitar.Felizmente o térreo não fica tão longe do solo.

P.S.: O "românticos" do título refere-se aos escritores do Romantismo, escola literária de fins do século XVIII a meados do XIX.
P.P.S.: Alzira forever!!! XD

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Sobre pais e filhos

Seria um vício? Não, essa definição não caberia. Vício é algo recorrente. E ele, até agora, não tinha feito nada. Tudo permanecia no plano espiritual, o qual, desde que foi inventado por Platão, é o eterno refúgio das idéias etéreas. Enfim, ele desejava. Quase não conseguia se controlar. Por isso ficava quase exausto toda vez que se via naquela situação tentadora, digamos assim. E antes que vocês perguntam "Mas por que o cara não faz logo o que quer?", lhes digo: sua tentação era horrenda. Muito repulsiva. Vocês com certeza seriam incapazes de suportar a simples idéia do que ele ansiava por realizar. Falando de coisas mais úteis, ele era casado há uns 20 e poucos anos, trabalhava, comia, dormia. Em síntese, poder-se-ia dizer tratar-se de uma pessoa normal. Daquelas que você sempre cumprimenta quando a vê andando na rua ou almoçando no shopping. Mas, se ele fosse absolutamente normal, não haveria motivos para escrever sobre ele. Afinal, pessoas normais existem aos milhares. Se você quiser encontrar uma, ande uns dois quarteirões. Ou então olhe-se no espelho. E aí voltamos pra questão que faz esse homem estar presente neste post. O desejo maldito. Ele tinha um filho. Dez anos. A idade em que o mundo começa a ser descoberto. Toda vez que ele via o menino, sentia um arrepio na espinha. Seu coração palpitava. Era o desejo incontrolável. A sede insaciável. Um ardor terrificante. Não suportava mais conviver com isso. Como uma criança poderia lhe provocar sentimento tão ardente? Até então se controlara. Porém sabia que seu limite havia chegado. Mesmo que quisesse resistir, faltavam-lhe forças para tanto. Olhou para seu filho. Aquele pele tenra, macia, últimos resquícios de uma infância se despedindo. Sua face corada. Meu Deus, que inferno! Por quê? Por que precisava fazer aquilo? Nunca fizeram isso com ele antes. Aproximou-se do garoto. Enfim disse: "FIlho, eu te amo."