domingo, 21 de dezembro de 2008

Apenas um beijo

Ela estava tão feliz! Tinha esperado semanas, meses, até mesmo anos para aquele momento. Nunca pensara que um dia ele finalmente olharia pra ela, a menina tímida de óculos e cabelos crespos sentada na segunda carteira da fileira do meio. É, tudo bem que agora ela tinha feito escova progressiva, algumas luzes e usava lentes de contato, mas ainda assim achava-se pouco frente à beleza fenomenal dele. Deus grego? Não, muito mais que isso. A começar pelos olhos azuis amendoados, que contra a luz adquiriam um leve brilho verde. Depois aquele corpo, másculo e suave, como se fosse esculpido pelas mãos de um Michelangelo. Ah, ia se esquecendo da boca, emoldurada por lábios carnudos, um convite irrestível à volúpia. E os cabelos, eternamente despenteados, loiro-acastanhados, cortados bem curtos. Enfim, tudo nele fazia com que seu coração acelerasse, seus olhos brilhassem, sua respiração ficasse ofegante. Tanto que quase teve um infarto fulminante ao receber aquele telefonema. Pra dizer a verdade, estava até irritada naquele dia, depois de penar com o trânsito horrível e com as grosserias de seu adorável chefe. Disse alô um tanto brusca, mas quando ouviu sua voz de veludo tudo mudou, chegou mesmo a perder a fala. E quando ele fez o convite, então... Podia ouvi-lo dizer encontre-me amanhã à noite no parque do..., preciso muito te beijar. E desligou o telefone. Ela chegou antes do fim do pôr-do-sol. Deleitava-se com a espera. Imaginava ardentemente ele chegando, aproximando-se dela, meu Deus quanta alegria! Às oito e trinta e cinco ele desceu do seu carro e caminhou até ela. Olhou-a nos olhos. Foi levando sua cabeça bem perto da dela, até seus lábios roçarem-se de leve, como se estivessem tímidos ou receosos. Depois, ele abriu sua boca devagar e deixou sua língua encontrar-se com a dela, numa brincadeira travessa de esconde-esconde. Explorou as bochechas, o palato, todas as reentrâncias com as quais entrava em contato através daquele beijo. Era indescritível o sentimento que ela experimentava. Gozo maior não poderia haver. Não existia passado nem futuro, sua vida era o presente, ali, com ele. Nossa, que sensação maravilhosa sentia! Estava tonta de tanto prazer! Inundava-lhe um gosto estranho, sublime, era o seu corpo entrando na ebulição apaixonada que sua mente já desfrutava há muito tempo. Ela enfim desfaleceu. Ele afastou-se lentamente. Retirou o punhal do ventre dela. Limpou o sangue em sua roupa e foi embora. O corpo ficou caído, com o último sorriso petrificado para sempre.

P.S.: "Mas o covarde mata com um beijo" - Mal Secreto.

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Um conto de Natal

O Natal estava próximo. Mas ele não tinha absolutamente um espírito natalino naquele momento. Por quê? Olha, se ele quisesse, podia contar as mais comoventes e drmáticas histórias que um ser humano pode vivenciar, afinal ele era escritor, imaginação não lhe faltava. Só que ele preferia ser sincero: não tinha nenhum motivo aparente pra estar naquele baixo astral em pleno dezembrão. Apenas sentia o vazio dentro de si. Um vazio tremendo, gigantesco mesmo, mas também impenetrável. Não adiantava fuçar de quem era a culpa. Nenhum trauma de infância, nenhum problema no emprego, e de forma alguma impotência sexual. Também não se sentia vítima do consumismo desenfreado. Ele se adaptava muito bem a esse estilo de vida. Dava graças a Deus por ser desprovido de preconceitos moralizantes, como ele costumava tachar essa dificuldade que as pessoas têm de aceitar as imposições do titio Capitalismo. Enfim, padecia de um mal sem causa, que o levara até a praça central da cidade, onde agora se encontrava. Estava bem diante da fonte, cuja iluminação fora inaugurada recentemente. A água subia vermelha, ou melhor, brilhantemente vermelha, a cor escolhida para representar o entusiasmo natalino que se alastrava por todo o planeta. Quem dera ele pudesse fazer parte dessa multidão que se encantava com algo tão singelo como a fonte, em seu eterno circular de água iluminada. Olhou o relógio. Já era tarde. Precisava voltar pra casa. Não que sua mulher fosse ciumenta. Mas ele precisava dormir, um novo dia de trabalho aguardava-o amanhã.  Deu uma última olhada na fonte. Virou-se. Colocou a mão no bolso para pegar as chaves do carro. Sentiu um baque na cabeça. Caiu. Quando acordou, estava num lugar semelhante a um porão rochoso, muito úmido. Encontrava-se sentado numa cadeira reclinável, dessas que se encontram facilmente em consultórios de dentistas. Sentia uma leve ardência no braço direito. Olhou e percebeu que havia um agulha enfiada nele, conectada a uma mangueira, por onde seu sangue escoava. Quando deu-se conta onde essa mangueira dava, gritou. Gritou forte. Alto. Berrou mesmo. Estava horrorizado. Ninguém apareceu para lhe ajudar. Então era isso? Assim que tudo aquilo acabaria? Não queria acreditar, mas sabia no seu íntimo que não havia escapatória. Afinal, a água da fonte tinha de continuar vermelha.

quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Esquizofrenia

Ele era esquizofrênico. Tinha certeza disso. Motivos não faltavam: há mais de um mês ele pensava estar sendo perseguido por todo lugar aonde ia. Chegava a ver o rosto de homens mal encarados, portando revólveres ameaçadores, apontados sempre em sua direção. O mais interessante, porém, era ele ter plena consciência disso, pois mania de perseguição é o que mais ocorre com a maioria dos pacientes acometidos de esquizofrenia. Agora, reconhecer a doença era algo surpreendente. E, além disso, ele se dispôs a ir a um psiquiatra procurar tratamento. Reconhecia que representava um perigo para seus familiares e amigos, afinal nunca se sabe quando se vai perder o controle. O médico ficou espantadíssimo ao ver e ouvir aquele rapaz, ainda jovem, entrar pelo seu consultório decididamente e dizer doutor, tenho esquizofrenia. Nunca a literatura médica registrou um caso de paranóia no qual o paciente a reconhecesse como tal. O psiquiatra vislumbrou inclusive uma possibilidade de faturar algum título, quem sabe até internacional, e pôs-se a discorrer sobre as possíveis explicações para aquele caso, provavelmente o lobo antero-lateral direito do córtex pré-frontal apresentava neurônios preservados da patologia devido à ação de neurotransmissores etc etc etc. Enfim ambos decidiram-se pela internação do doente. Ele tratou de, no dia seguinte, procurar o melhor sanatório da cidade e dar a entrada o quanto antes. O lugar era confortável, o mínimo que se esperaria frente à fortuna que era a mensalidade. Assim que chegou, foi medicado, mas continuava a se queixar de alucinações. Seguiu para o quarto. Algumas alucinações eram até engraçadas, bem doidas mesmo. Que importa, agora ele estava seguro, sua família também, podia relaxar e aproveitar sua estada. De madrugada, acordou sobressaltado. Ouvira ruídos de arrombamento. Ficou de pé. O remédio estava demorando pra fazer efeito. De repente, viu um vulto. Não teve tempo nem de gritar. A bala entrou silenciosamente por seu crânio, pondo um fim à sua vida. O algoz saiu com cuidado pela janela. Só fizera seu trabalho. Quem mandou não pagar as ampolas de LSD...

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Psicologia

A psicologia é uma coisa até interessante. Tanto que levou-a a cursar a faculdade. E que faculdade! Por que a exclamação? Você acha que é uma referência aos bons professores, às boas instalações etc etc etc? Não. Quando se está na faculdade, uma só coisa realmente importa: festar. Muito. E ela se lembrava de cada uma daquelas festas. Inclusive tinha a daquele dia à tarde, todo mundo se beijando ao ar livre e [trecho censurado para menores de 18 anos, e sendo o autor menor, sinto muito, vão ter de se contentar em saber só isso], mas, enfim, agora estava lá no consultório, ouvindo um cara. Que, por sinal, não parava de falar. O saco dessa profissão é isso: o povo gosta de falar. Essa, aliás, deve ser a atividade de que o ser humano mais gosta (depois do sexo, talvez, mas só em alguns casos). Basta observar qualquer reunião de pessoas. A conversa sempre prevalece. Não importa se aquele p.h.D em gestão empresarial de banheiros está falando, sempre alguém vai virar do lado e perguntar e aí, como foi o churrasco, a carne tava boa, e daqui a pouco nosso ilustre palestrante vai se ver falando apenas para a tia solteirona que está a fim dele. Mas voltando ao consultório, ela percebia que a boca de seu paciente se mexia sem parar. Obviamente, não ouvia nada. Naquele momento, seu cérebro concentrava-se em analisar as cortinas, será que não devia trocá-las, com um fundo musical de Ivete. De repente, o homem fechou a boca. Ela percebeu e, fazendo-se de desentendida, perguntou desculpe, mas você quer o quê, passando a impressão de que o pobre coitado pedira algo absurdo. E ele respondeu, quero que me diga o motivo para eu estar fazendo terapia. Putz! Aì ferrou legal. Esse era o tipo de paciente que faz um joguinho de gato e rato, incitando o psicólogo a descobrir o problema e solucioná-lo antes que ocorra um suicídio. Ela pediu-lhe que voltasse amanhã, pois o horário já tinha acabado. Despediram-se, e ela ficou lá. Seus colegas tinham comentado de casos parecidos, que acabaram tragicamente. Mas ela estava disposta a lutar. Passou a noite inteira lendo os livros da faculdade, engolindo-os quase. Se fosse Freud, diria que tinha alguma coisa a ver com a mãe, mas ela sentia algo além disso. Finalmente, o dia seguinte chegou. O paciente bateu na porta, ela abriu. Sentaram-se. Solenemente, ela ergueu a cabeça e disse: "Você faz terapia porque (tchan tchan tchan) eu preciso ganhar dinheiro".

P.S.: L'argent, toujours l'argent... (não entendeu põe no tradutor XD).

quarta-feira, 12 de novembro de 2008

Homenagem aos românticos

Vivia numa metrópole. Qual? Não importa. Todas são iguais em sua agitação cinza-pálido, modorrento, que nos engole num ciclone de fumaça e poeira. E ele observava isso pela sua janela. Olhava a rua, cortada por carros. Velozes. Eles transmitiam perfeitamente o sentimento que trazia dentro do peito: uma convulsão vulcânica, espirrando os incandescentes destroços de um coração partido. Não, não ocorrera nenhuma traição. Muito menos a morte dela. Pelo contrário. A vivacidade rubra do sangue arterial permanecia viva em sua cálida face. O problema era justamente aquela imposição ridícula, resquícios de um patriarcalismo rude e preconceituoso! Afinal, de que importava se ele não tinha dinheiro, o amor bastava, é o alimento perene da alma, que supera todas as vis necessidades materiais de uma sociedade corrompidamente burguesa. Além do mais ele era jovem, via despontar a aurora de sua vida, época em que as paixões inquietam o corpo, fazendo-o verdadeiro refém, impotente, frágil. Olhou novamente a rua lá fora. Descansou as pálpebras. Imaginou-se no cimo de um penhasco sobre o mar revolto, as ondas chocando-se violentamente contra a rocha. Um cenário de fazer inveja ao pobre Werther, que teve de se contentar em morrer no próprio quarto. Deixou os ruídos dos escapamentos entrarem por seus ouvidos, infectarem seu cérebro. Estava decidido e nada poderia convencê-lo a desisitir de seu intento. Já que não podia derrubar o opressivo sistema que esmagava seu amor por ela, entregava-se inteiramente às incertezas da morte, solução a mais tranqüilizadora que podia vislumbrar. Sentiu o ácido odor sulfúrico que os automóveis emitiam em sua direção.Fazia isso por amor a ela. Queria gritar para que todos soubessem. Era sua homenagem final. Dedicava-lhe o último suspiro, assim como lhe dedicara cada segundo de seus dias, apenas pensando em sua magnífica beleza. Contou até três. E jogou-se pela janela. Sem olhar para trás. Sem hesitar.Felizmente o térreo não fica tão longe do solo.

P.S.: O "românticos" do título refere-se aos escritores do Romantismo, escola literária de fins do século XVIII a meados do XIX.
P.P.S.: Alzira forever!!! XD

sexta-feira, 7 de novembro de 2008

Sobre pais e filhos

Seria um vício? Não, essa definição não caberia. Vício é algo recorrente. E ele, até agora, não tinha feito nada. Tudo permanecia no plano espiritual, o qual, desde que foi inventado por Platão, é o eterno refúgio das idéias etéreas. Enfim, ele desejava. Quase não conseguia se controlar. Por isso ficava quase exausto toda vez que se via naquela situação tentadora, digamos assim. E antes que vocês perguntam "Mas por que o cara não faz logo o que quer?", lhes digo: sua tentação era horrenda. Muito repulsiva. Vocês com certeza seriam incapazes de suportar a simples idéia do que ele ansiava por realizar. Falando de coisas mais úteis, ele era casado há uns 20 e poucos anos, trabalhava, comia, dormia. Em síntese, poder-se-ia dizer tratar-se de uma pessoa normal. Daquelas que você sempre cumprimenta quando a vê andando na rua ou almoçando no shopping. Mas, se ele fosse absolutamente normal, não haveria motivos para escrever sobre ele. Afinal, pessoas normais existem aos milhares. Se você quiser encontrar uma, ande uns dois quarteirões. Ou então olhe-se no espelho. E aí voltamos pra questão que faz esse homem estar presente neste post. O desejo maldito. Ele tinha um filho. Dez anos. A idade em que o mundo começa a ser descoberto. Toda vez que ele via o menino, sentia um arrepio na espinha. Seu coração palpitava. Era o desejo incontrolável. A sede insaciável. Um ardor terrificante. Não suportava mais conviver com isso. Como uma criança poderia lhe provocar sentimento tão ardente? Até então se controlara. Porém sabia que seu limite havia chegado. Mesmo que quisesse resistir, faltavam-lhe forças para tanto. Olhou para seu filho. Aquele pele tenra, macia, últimos resquícios de uma infância se despedindo. Sua face corada. Meu Deus, que inferno! Por quê? Por que precisava fazer aquilo? Nunca fizeram isso com ele antes. Aproximou-se do garoto. Enfim disse: "FIlho, eu te amo."

segunda-feira, 27 de outubro de 2008

Lixo

Jogar alguma coisa fora já exige, por si só, grande força de vontade. Por mais inútil que seja o objeto, sempre fica aquela duvidazinha, do tipo e se eu sentir falta desse troço tão fofinho, será que não entro em depressão? E com ela não aconteceu diferente. Desde criança tinha trauma de desapegar-se das coisas. Nunca se esquecera daquele episódio com a bonequinha do seu quinto aniversário. Sempre gostara dela, até que, num belo dia... Bem, tenho certeza de que é uma história super comovente, de arrancar lágrimas dos corações mais insensíveis, mas ela não vem ao caso. Quem sabe uma outra hora. A questão é que a moça estava diante da lata de lixo (num beco qualquer, pra variar) decidindo-se sobre o destino daquilo em suas mãos. Não que fosse algo essencialmente essencial. Poderia muito bem viver sem isso. Porém, já tinha criado um vínculo afetivo com o que segurava. Quase chegara a amá-lo. É, pode parecer coisa de melodrama mexicano. E, no fundo, acaba sendo mesmo. Já estava lá há quatro horas. Incrível como alguém consegue passar esse tempo todo em pé, num lugar totalmente obscuro, e ainda por cima de noite (esqueci-me de comentar esse detalhe). Sentia que, não importava o quanto pensasse, nunca conseguiria se decidir. Afinal, tinha uma história com aquilo. Bem profunda até. Conviveram juntos durante um tempo razoável, partilharam das mesmas emoções, eram cúmplices. Será que agiria corretamente pondo um fim nisso desse jeito? Um vento soprou. Forte. E gelado. Com o uivo característico dos ventos fortes e gelados (dos quais ela, particularmente, não gostava). Interpretou com um sinal de que devia decidir. Fechou os olhos, respirou fundo. Visualizou em sua mente o que trazia firme entre seus dedos. Que começavam a formigar, tamanha era a intensidade com que os apertava. Uma lágrima escorreu pelo seu rosto. Enfim, ergueu a tampa da lixeira e jogou lá dentro o feto abortado. 

sábado, 18 de outubro de 2008

Amor, e nada mais

Parecia um sonho. Daqueles perfeitos. Que você continua a sonhar mesmo acordado. Tudo estava como ele imaginara. O cenário maravilhoso. Ela deslumbrante à sua frente. É muito difícil encontrar pessoas idealistas hoje em dia, mas ele acreditava que podia realmente ser feliz do jeito que sempre desejou. Aproximaram-se. A luz inundava-lhes os corpos, quente, aconchegante, brindando seu amor. Meu Deus, que coisa boa sinto, que paz, que emoção! Aproximaram-se. A pele dela parecia ainda mais macia. Acariciou sua face. Aqueles lábios vermelhos, voluptuosos, pediam ardentemente por um beijo. E ele não pôde resistir. Nem queria. Seu corpo inteiro também implorava por isso. Suas bocas enfim se encontraram, num encaixe perfeito. Naquele momento, o mundo inteiro rodou ao redor deles. A paixão transpirava por seus poros. Seus corações aqueciam o ar do ambiente. E por mais que se descreva, nunca sequer se roçará a superfície do sentimento que entre eles imperava. Era de uma intensidade enorme, gigantesca. Eles se completavam. Inteiramente. Plenamente. Ele sentia uma explosão dentro de si, que na verdade inundava seu corpo de paz, numa dessas contradições que apenas quem ama sabe explicar. Precisava continuar nessa conexão pra sempre. O beijo, infinito. Respirar? Para quê? Mantinham-se mutuamente. Atingiram tal grau de sublimidade que não possuíam mais as necessidades orgânicas dos pobres mortais. Sentia-se perfeito. De repente, um leve receio. Transformado em medo. Depois, pavor. Terrível. Percebia com clareza. Mas não ia deixar. Nunca estivera tudo tão bom. Doce ilusão. Sabia que aquela hora chegaria. Ela sempre chega. Para destruir-lhe a felicidade. No ápice daquele amor, as cortinas fecharam-se. Ouviu os aplausos do público. A peça findara. Mais uma vez. 

P.S.: Uma homenagem aos atores, em especial Nícholas Mendes e Juliana Galante, que também são excelentes escritores.

domingo, 12 de outubro de 2008

Elevador

Era o Sr. D. Sempre fora referido por pronomes de tratamento, infames pronomes que nos despersonalizam. Bom dia, Sr. D. Boa tarde, Sr. D. Como vai a esposa, Sr. D.? Ele passava cada minuto odiando tudo isso. Justamente por causa da imensa superficialidade que permeava suas relaçõas. Nem o casamento escapava. Sabia muito bem que sua mulher se unira a um sobrenome e a uma conta corrente. Já tinha se cansado. A morte? Não, era covarde demais pra ela. Sim, podem chamá-lo de bundão. Literalmente até. Pesava, por baixo, uns 120 quilos. Em resumo, vivia pateticamente, falava pateticamente, vestia-se pateticamente e não fazia sexo desde sua lua-de-mel (o que já seria suficiente pra levar alguém à loucura, mas o Sr. D. refugiava-se nas latas de sardinha - gosto não se discute...). Sei que você já deve estar farto de ler tanta coisa inútil. Cansa mesmo. Por incrível que pareça, porém, nem tudo na vida do Sr. D. era uma hemorróida irremediável. Ele possuía um local secreto, mágico, onde podia libertar-se e ser o que quisesse: o elevador privativo, que ficava em sua sala, no último andar do prédio no qual estava instalada sua empresa (cujos negócios eram absolutamente sem graça, se não me engano comércio internacional de palitos de fósforo). Quando entrava no elevador, o homem  se transformava, dava vazão aos sentimentos mais íntimos de seu coração, realizava fantasias impublicáveis. Inclusive, um dia desses, chegou a..., não, melhor não dizer. Eram esses breves instantes que lhe davam forças pra viver. No elevador, criava o seu mundo. Apenas ele e o espelho. E isso bastava. Mais até: chegava a ser perfeito! Coitado. Esquecera-se do circuito interno de vigilância.

sábado, 4 de outubro de 2008

Tango

Ao som do tango, dançava. Ele bem grudado ao seu corpo. Rodopios frenéticos acompanhados por olhares provocadores. Rosas ao redor. A única luz do ambiente vinha por meio das velas, que espalhavam languidamente suas chamas. A música seguia num crescendo contínuo. Os movimentos atingiam seu auge. Sua alma extasiava-se. Sempre gostara de tango. Chegou a fazer algumas aulas, mas por motivos técnicos (leia-se falta de dinheiro) foi obrigada a abandoná-las. Mas isso não tinha importância alguma. Ele a guiava tão bem! De repente o salão ficou demasiadamente pequeno para eles. Precisavam de mais, cada vez mais. O tango exerce esse poder. Inflama paixões. Atinge os corações mais inatingíveis. Desperta desejos. Voluptuosamente. Exacerba a sensualidade. Os amores tornam-se incontroláveis. Impossível resistir. Por mais que ela quisesse, por mais que ela tentasse... Seus lábios fundiam-se numa conexão impenetrável, seus corpos formavam um único organismo, pulsante, ardente, frenético. O ritmo da música integrara-se ao ritmo de seu sangue, tudo era uma mesma coisa, o mundo resumia-se àquilo. Mas ainda precisavam de mais, cada vez mais. Viu-se nua ao lado dele. Onde? Quando? Não sabia, não queria saber. Sentia apenas seus corpos, juntos, para sempre. Era isso que sempre tinha pedido aos céus. Nem que fosse por só uma noite. Estavam cada vez mais entrosados, aproximando-se do ápice daquele louco e delicioso amor. Do nada vem um clarão. Tudo some. Ouve berros. O que está acontecendo? Cadê ele? Cadê a música? Pisca com força. Ao seu lado, um policial. Nossa, como está frio! Olha para frente. Agarrava um poste com força. Sua roupa no chão. Tudo não passara de atentado violento ao pudor.

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Fluxo

Delírio, um delírio delirantemente delirante, tudo era vermelho, tudo era rosa, tudo era todas as cores juntas, numa única sinfonia policromática, pancromática, brilhos, luzes ofuscantes, era o canto de roxos rouxinóis que se esgarçavam entre gigantes girassóis, a magia do mundo, a máquina da vida, tudo podia, tudo queria, tudo fazia, o limite da realidade era o sonho, pefumes de todos os tipos, odores, sabores, chocolates com pimentas, sejam malaguetas ou do reino, o que importa é sentir, expandir os sentidos, explorar, extrapolar além do extrapolável, gritar, existir não é nada senão berrar, liberar o ar dos pulmões, crescer, ocupar o espaço todo, nada é maior, nada vence, é isso, domínio, força, poder, muito poder! Pausa... Alegres pradarias transformadas em desfigurados pântanos, onde impera ácido sulfídrico, cianídrico, clorídrico, dor, insuportável, inimaginável, retorce, corrói, desmancha, como é possível, apertos, pedaços arrancados, tudo era um imenso aspirador, a vida sugada, destroçada, reduzida ao pó, nossa incerta origem mas com certeza nosso fim, a magnitude da podridão hepática, pancreática, visceral como um todo, repulsa, nojo, sangue, encefalites, bronquites, artroses, escleroses, ites e oses num pas-de-deux infernal, sem fim, que sufoca e asfixia, deixando apenas a sordidez de monóxidos, dióxidos, multióxidos, todos letais, todos aterradores, que matam e matam e matam. Pausa... Cinza, bege, tons pastéis, nada a fazer, tudo é igual, pra que sorrir, pra que chorar, pra que viver, vou-me indo, perco-me no meio de sedimentos de uma foz em delta, sumo, para nunca mais voltar. Era apenas mais um coração. Apaixonado. Que se foi.

P.S.: "Deixa a doidera bater ..." uashsuahasuh

domingo, 21 de setembro de 2008

Homenagem aos árcades

Relva macia. De um verde brilhante. E luz. Muita luz. Nessas ocasiões, é impressionante como o Sol aparece do nada e graciosamente oferece toda a sua luminosidade. Tiravam uma sesta embaixo do velho carvalho, daqueles repleto de histórias seculares que tanto nos encantam. Ele, abraçando sua linda esposa, de matar de inveja qualquer Marília, contemplava tudo o que tinham. O cenário maravilhoso. O filho, que brincava alegre com as ovelhas. Sim, pois esses animais não podiam faltar numa paisagem tão bucólica como a que pretendia ter. Naquele instante, longe da cidade, longe de todo o estresse, sentia-se um verdadeiro pastor, vocação para a qual a alma humana é naturalmente direcionada. (Pena que não rendesse tanto quanto aplicar em ações, mas enfim, nem tudo é perfeito...). O perfume das flores primaveris inundava-lhe a face, trazendo consigo um sopro de vida sem igual. Acariciou os cachos dourados de sua esposa. Olhou para o filho, que deixara as ovelhinhas para se divertir com uma borboleta. Realmente, não havia felicidade maior. Ao longe, o Sol começava a acanhar-se, descendo suavemente por sob a linha do horizonte. Era esse o momento em que Amor, solto pelos ares, começava a disparar suas setas, envenenadas com o néctar dos deuses, esse que é o sentimento mais profundo e reconfortante. A família precisava retornar para sua rotina. A única coisa que lhes dava forças era saber que, no próximo fim de semana, estariam nesse mesmo local, com algo ainda melhor: uma harpa que o pai mandara fazer. Este recolheu tudo, acordou a mãe, chamou o filho e voltaram pra conturbada urbe, para o seu áureo mas nem um pouco medíocre apartamento tríplex. A mulher, exausta, foi para seu quarto repousar. O homem, por sua vez, acompanhou o filho a uma espécie de sótão, trancou a porta e disse: "Tira a roupa que nós vamos fazer um filme bem legal. Será nosso segredinho, tá?"

P.S.: Créditos à Alzira (XD) e, mais uma vez, a Efeito Borboleta.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008

Retrato

É difícil descrever uma pessoa como essa. Mas aceito o desafio. Acima de tudo, ressalta nela a insegurança. Nunca sabe o que quer, faz, na maioria das vezes, coisas contraditórias, às vezes totalmente antagônicas. Sua vida, aliás, assemelha-se a um paradoxo. Parece que não caminha. Máscaras tem infinitas. Freqüentemente se perde no meio delas. Deixa-se levar pela fluidez do momento, sempre sorrindo, sempre agradável, porém, no fundo, defende apenas seus próprios interesses. Compaixão inexiste quando sua situação é posta, mesmo que minimamente, em risco. Em suma, constrói sua vida com mentiras e mais mentiras. Inclusive pra esconder seus vícios. Afinal, o que não se faz entre quatro paredes... O pior não é isso: ainda critica aqueles com os mesmos defeitos ou até menores. Sim, já chegou a esse ponto. Percebe-se quão frágil é a pessoa de quem eu falo, por mais duras e intransponíveis que parecem ser suas defesas. No fundo, não passa de uma criança que acabou de largar o peito materno. Perdida. Por completo. Se tem algo de bom? Creio que sim. Tudo tem um ying e um yang. Acontece que é muito desorientada, confusa, e acaba desvalorizando ou então anulando suas realizações construtivas. Paciência. Precisa-se de paciência para compreendê-la. Lembre-se, é um ser humano, esse animalzinho metido a besta que se acha superpoderoso mas não pode nada. Suponho que, a esta altura, o leitor esteja interessado em saber a identidade de tão peculiar pessoa. Pois lhe digo: essa pessoa é você.

P.S.: Peço a compreensão de vocês, pois tudo não passa de um recurso fictício, por isso não fiquem zangados. XD

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Triste fim de um alegre começo

Contrai. Relaxa. No ritmo. Rápido. Sem tempo. Respira. Solta. Dor. Meu Deus, será que isso não tem fim? Lembrava-se do dia em que se conheceram, o jantar maravilhoso no restaurante francês, o som dos violinos enchendo sua cabeça... Sangue. Correndo. Frenético. Sangue. Suor. Sem lágrimas. Sem cerveja. Poros dilatados. Gritos. Berros. Estrondos. Não vou aguentar! Depois, a primeira noite juntos, na praia, a lua cheia, o brilho bruxuleante do que restara da fogueira, o toque dos corpos, sua respiração quente a inundar-lhe o rosto... Mas tudo sumiu. Foi-se. Acabou. Agora só há dor. Muita dor. Lancinante. Por que tinha de passar por isso sozinha? Sal. Na boca. O suor escorrendo em rios. Batidas frenéticas. Coração enlouquecendo. Tudo negro. Só mais um pouco, por favor, preciso resistir. Depois, o abandono, a angústia, o sofrimento, a vergonha perante a família, aquele canalha sumiu do nada, como pode, parecia a pessoa adequada, a mais certa que conhecera... Contrai, relaxa, contrai, relaxa. Artérias pulsando. Rasgos. Os músculos fatigados. Urros de dor. A conseqüência de sua atitude inconseqüente estava aí: sozinha, num quarto, passando por isso, sonhara tudo diferente, o enxoval, a presença dele... Estouro. Internamente um estouro. Depois, relaxamento. Acabou. Ela olha a criança. Os dois únicos seres vivos num raio de muitos quilômetros. Isolados no quarto escuro. Aí estava o maldito fruto de seu ventre. Majestosamente anencéfalo. Sem rosto. Sem vida. Sem nada.

sábado, 13 de setembro de 2008

Tempo . . .

Olhava fixamente um ponto. Não sabia qual. Aliás, não tinha a menor idéia de por que estava ali. Fato totalmente justificável frente ao terrível acontecimento pelo qual acabara de passar. Terrível, não. Traumatizante. Aterrorizante. Destruidor. Tudo o que mais queria, naquele momento, era a morte. Implorara por ela. Mas o destino, impiedosamente, não a trouxera. Por isso continuava lá. Sem nada para preencher seu vazio. Se ao menos pudesse voltar no tempo, evitar aquele instante crucial, aqueles parcos segundos que mudaram completamente sua existência. Só pedia mais uma chance. Será que era demais? Afinal, o que fizera para merecer tudo isso? Não podia, não queria acreditar em tamanha injustiça. O ponto à sua frente começou a piscar. O que estava acontecendo? Decerto, pra completar, ia desmaiar, ter um ataque, qualquer coisa do gênero. Tudo tremia freneticamente. Aí veio a luz. Forte. Estupenda. E então deixou-se levar. Mesmo porque não tinha força alguma para resistir. De repente, sentiu um baque. Estava novamente na fatídica sala. Todos conversavam. Alegremente. Não tinham idéia do que ia acontecer. Mas dessa vez não deixaria. Voltara ali justamente com essa finalidade. Caminhou para o canto, como se fosse invísivel. E deslocou aquela maldita mesa. Pronto. Sentiu um alívio. O peso da culpa sumiu. Ah, como estava feliz! Nada de ruim ia acontecer. Caminhou para a porta. Ouviu um estrondo. Clarão. Gritos. Poeira. Sangue. Tudo aconteceu exatamente como antes.

P.S.: Sob efeito borboleta.

sábado, 30 de agosto de 2008

Opressão

Sentia-se preso. Totalmente preso. A compressão em torno de si era total. Nunca queira passar por isso. É horrível não poder sair, não poder seguir seu próprio caminho, depender da boa vontade alheia para um dia ser alguma coisa na vida. Tudo que ele queria, tudo que ele mais desejava era uma chance para provar o fresco ar da liberdade. Porém não o deixavam. Tinha certeza de que, um dia, mostraria ao mundo seu valor. Maldito o dia em que ele se formou! Maldito aquele que lhe proporcionou essa existência ridícula, inexpressiva! Era comum passar por esses repentes de revolta. Quando estava se conformando, criando esperanças, algo o apertava ainda mais. Assim não dava! O duro é que não tinha pais que lhe consolassem, aliás, não tinha nada nesse mundo a não ser ele mesmo. E não adiantava procurar um culpado. Sabia que sua vida não passava disso. Porém, como é de praxe, depois de o personagem principal reclamar pra caramba, vem o momento da iluminação. Ele percebeu uma movimentação dentro de si. Chegava perto de entrar em verdadeira ebulição emocional. De repente, vê uma porta aberta, que o conduzirá para a vida com a qual sempre sonhou. Fora esse o momento que sempre pedira! Finalmente podia gritar, fazer barulho mesmo, ocupar todo o espaço ao seu redor. Assim constituíram-se seus doces segundos de glória. Sim, porque logo depois foi se dissipando, tornando-se cada vez mais diáfano, até sumir completamente. E assim terminou a história de um pobre e obstinado pum.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Perfil

Acostumara-se a ser odiada por todos. Desde sempre só ouvia reclamações, pragas, xingamentos. Nunca soubera o valor do afeto. E nisso invejava muito os outros: mesmo nas horas de maior dificuldade, como as que já se habituara a presenciar, as pessoas não faltavam umas às outras. Isso lhe provocava um aperto imenso no que podia chamar de coração. Tinha de concordar: nem sempre aparecia nas horas mais propícias. Mas não era culpa dela, apenas seguia as ordens. É, parece desculpa de ex-soldado nazista. Fazer o quê. É impossível convencer a todos. Para efeito de definição da própria identidade, comparava-se ao vizinho chato do segundo andar, que, no melhor da festa, arromba a porta junto com a polícia e acaba com tudo. Daí você pode ter uma leve noção de como odiavam-na. Nunca tentaram defendê-la, e seu discurso era sempre em vão, de modo que começara a aventar a hipótese de desisitir de tudo. Chega uma hora em que o cansaço vence. De que adiantaria, porém? Ainda assim seria incapaz de comover o coração mais mole, de extrair uma minúscula gota de compaixão. Eu sei, é deprimente tudo isso. Acontece que eu prometi escrever até o fim e estou disposto a seguir o meu propósito. Prefiro deixar de fazer qualquer descrição dela, afinal não quero assustar ninguém em demasia. Basta pensar em alguém extremamente infeliz, que deixa os outros em situação pior do que a própria, às vezes, e que não pode largar sua sina. É um bom resumo do que foi dito até agora. Portanto, senhoras e senhores, tenho a honra de lhes apresentar a Morte.

Flashback

Morreu às 23h30min daquela sexta-feira, abandonada num corredor escuro de um hospital público. Às 21h50, fora encontrada num beco sujo, com uma poça de sangue ao seu lado. Não tinha forças nem para gritar. Percebiam-se claramente sinais de severa agressão. Às 20h30, dois homens abordaram-na no seu trajeto para casa, um deles portando revólver calibre 38. Fora conduzida até o já citado beco e estuprada, de forma sádica, com a produção de várias escoriações pelo seu indefeso corpo. Às 19h30, voltava de seu emprego exausta. Mais uma vez sofrera as humilhações da patroa, aguentando tudo calada, afinal era o único sustento com o qual sua família podia contar. Tinha certeza de que, um dia, seus méritos seriam recompensados, nem que fosse pelo Deus tão comumente falado pelas pessoas. Às 15h, ainda guardava uma leve esperança de comer, já que tinham roubado seu almoço, como de praxe. Mas sabia muito bem da boa-vontade de D. Augusta: dela não podia esperar nada, exceto um mísero salariozinho no fim do mês, isso quando Seu Artur conseguia manter as contas da casa "em dia" (desculpa de rico pão-duro, raciocinava). Às 10h caminhava um tanto apressada por uma dessas ruas feias, encontradas em todas as grandes cidades. Se chegasse atrasada mais uma vez, levaria uma bronca daquelas. E, sinceramente, não gostava de ser repreendida tão severamente. Às 7h presenciara mais uma briga entre seus pais, ele eternamente bêbado, ela sempre reclamando de tudo. Até que ponto eles ficariam sem se matar? Às 6h, acordara e pensara: "Hoje o dia tem tudo pra ser maravilhoso!"

domingo, 3 de agosto de 2008

Apenas um filme

Fila do cinema. Ele estava lá. O filme? Obviamente não sabia. Quer dizer, ouvira algum comentário interessante. Ou lera qualquer crítica por aí. Simplesmente teve vontade de ir ao cinema. Convivia bem com o fato de estar num ambiente propício a manifestações calorosas de amor. Ainda mais levando-se em conta o fim de seu noivado no dia anterior. Podia aguentar isso. Não, não comia pipoca. Grande idiota quem resolveu juntar cinema e pipoca. Ou alguém muito inteligente, pois as pessoas, em geral, adoram se encher de calorias inúteis. Entrou na sala. Ficou olhando pra tela ainda em branco. Sinceramente, ele não sentia ódio. Também não estava magoado. Não conseguia sentir nada. Acontecimentos impactantes tinham esse efeito curioso sobre ele: deixavam-no travado. Sua mente vagava, como se nada existisse. Talvez fosse uma tentativa de se esconder da realidade. Que pode ser cruel às vezes. Ou o cara era só meio débil mental, vai saber. As luzes são apagadas. Alguns gritinhos. Como de praxe. Passam trailers, começa o filme. Ele tinha uma certa consciência do que acontecia. Mas as informações não atingiam seus neurônios de fato. Poderia continuar assim por tempo indeterminado. E estava disposto a isso. Preparava-se até, quando a tela ficou escura. Ouviu-se um grito: "Fogo!"As pessoas começaram a correr pra todos os lados. Então ele despertou. Ainda disse para si mesmo como o povo era besta, incapazes de perceber que tudo não passava de um filme. Permaneceu no lugar. Encontraram seu corpo carbonizado no dia seguinte.

P.S.: Ir ao cinema na sexta dá nisso . . .

terça-feira, 29 de julho de 2008

Traição e suas conseqüências

Sabe uma daquelas situações em que você se sente traído e cai numa apatia tremenda por causa disso? Pois é. Esse não era o caso dela. Sim, ela fora traída, mas não permaneceu apática nem deprimida nem qualquer coisa desse tipo. Ela sentiu raiva. Ira. Ódio. E que se danassem os sete pecados capitais! A solução era simples: destruir a fonte de onde emanava todas essas perturbações. Ok, fica fácil quando se trata daquele velho vaso de porcelana feio pra burro que sua tia-avó te deu num Natal longínquo. Mas, em se tratando de pessoas, aí a coisa complica. O problema não era tanto ser presa, afinal tinha um contato íntimo com o Gilmar Mendes. O caroço do angu era o ato em si. Matar alguém não é uma coisa que se faça todo dia. Ainda mais matar aquela pessoa em particular. Sempre a acompanhara, não faltando em um único momento de sua vida, só que não dava pra suportar o peso daquela traição. Entregara-se completamente à fúria, nem consciência tinha de seus próprios pensamentos. E quanto mais esse sentimento crescia dentro dela, menores se tornavam os receios quanto ao homicídio que estava prestes a cometer. Enfim, chegou o momento da decisão: não conseguiria suportar mais a existência daquele ser miserável, estava pronta para o crime. Se ela estava desse jeito, a sua vítima tinha grande culpa, sendo passível, portanto, de sofrer o devido castigo. Arrumou-se toda, caminhou até o lugar adequado, carregou a pistola e, sem hesitar, puxou o gatilho. A bala perpassou sua cabeça, e ela caiu morta, deixando uma mancha de sangue ao redor.

P.S.: Porque a pior coisa é trair a si mesmo.

sábado, 26 de julho de 2008

Depoimento

Olá. Sabe, foi muito difícil pra mim chegar até aqui. É o tipo de coisa que você não sai falando pra qualquer um na rua, mas eu sinto que, se não der logo um jeito, vou pirar. Primeiro, quero deixar bem claro quão humilhante é minha situação. Por favor, peço que não me julguem; tenham certeza que eu já me puni bastante por isso. Tudo começou quando era criança ainda. Mal sabia das conseqüências de meus atos, via com os olhos da mais pura inocência. Essa foi minha ruína. Mesmo ouvindo os conselhos de outros, persisti obstinadamente na minha idéia. Já na adolescência comecei a sofrer por isso. Infelizmente, minha mente já estava totalmente dominada, em estágio irreversível. Que vontade de voltar atrás! Que vontade de fazer tudo diferente! Hoje, tenho essa úlcera, esse cancro que me consome e corrói, em cada minuto, cada segundo de minha parca existência. Já procurei, de todas as formas possíveis, me ver livre novamente. Tentativas vãs. Simplesmente não consigo. Cheguei ao ponto, vejam bem, de vir aqui, publicamente pedir ajuda, pois já não sei o que fazer. Informo-lhes com pesar que só resta de mim a carcaça, estando minha alma deveras obstruída. Perdão por minha melancolia. Desejo-lhes, do mais profundo de meu ser, que nunca passem por isso. Sem mais aborrecer-lhes, venho dizer, aqui, neste momento, que sou um viciado em amor.

P.S.: Só pra registrar, é tudo fictício.

P.P.S.: Nícholas, obrigado pelos seus poemas, que me deram a inspiração.

quinta-feira, 24 de julho de 2008

Da natureza da morte

Olhava pro balde. O balde olhava pra ele. Tinha enchido bastante de amaciante. Com água, claro. Queria que tudo fosse bem cheiroso. Odiava fedor. Principalmente de suor. Por isso costumava lavar cada peça de roupa sua três vezes. Quatro, dependendo do dia. Logo, era bastante compreensível que ele quisesse tornar esse momento tão especial algo com o cheiro bom. Seria como seu último desejo. Agora ficou fácil, né? Sim, o cara planejava a própria morte. Afogando-se num balde. Cada louco com sua mania, mas tudo bem. Agachou-se. Nunca fora muito de rezar, essas coisas. Sua única crença era o poder de limpeza do OMO. Rapaz, nunca vira sabão em pó tão eficiente assim! Uma vez experimentou aquele tal de Ace. Ô treco ruim! Tá, chega de papo furado. Suas pernas começaram a tremer. E nem tente chamá-lo de covarde, porque morrer afogado num balde não é pra qualquer um não. Respirou fundo. Última vez que ele faria isso. Muito bem, vamos acabar logo. Enfiou a cabeça na água. Com amaciante. Aguentou firme. Sentiu seu pulmão começar a se encher. Resisitu. Seu corpo já estava na dança da Mariazinha (Pânico forever!), mas ele resisitiu. De repente, apagou. Quando abriu os olhos, viu uma luz branca. Tcharam . . . Estava num quarto de hospital. Puxa, ele era uma espécie de ser imortal então. Deicidiu que, a partir daquele dia, poderia fazer qualquer coisa que quisesse. Foi pra casa todo animado. Mas, como nada é perfeito, dois dias depois foi atropelado por um caminhão de lixo e morreu instantaneamente.

P.S.: O caminhão de lixo foi idéia do Katayama.

quarta-feira, 23 de julho de 2008

Loucura

A profissão de psicólogo não é lá essas coisas. Sabia muito bem disso. Quer dizer, no fundo, bem no fundo, Pscicologia fora sua última opção após dois anos tentando Medicina. Pelo menos não estava desempregado. Droga, essa nunca funcionava! Certo, era forçado a admitir que, em termos profissionais, sua vida era uma merda. Desde a faculdade sabia disso, mas tentava se enganar. E no ponto alto de suas reflexões, teve de parar. Alguém tocou a campainha. É, seu dia começara. Agora, pra valer. Foi atender. Uma jovem. Nos seus vinte e poucos anos. Bonita. Cabelos loiro-acastanhados. Preferia ruivas, porém ela estava de bom tamanho. Sentaram-se. Chegou a murmurar um bom dia, sem resposta. Já se acostumara a esses pacientes meio doidos. De repente, ela olha-o fixamente. Ele mantém o contato visual. Por quase três minutos. E então, os gritos começam. A mulher tinha ficado doida. Gritava com todas as forças de seus pulmões. E ele lá, paralisado. Esse é o tipo de coisa que não se estuda na faculdade. Começou a revisar em sua mente todas as síndromes mais estranhas das quais já ouvira falar. Nada se encaixava. A gritaria ficava mais e mais forte. Então, ele resolveu: começou a gritar também. Alto. Intensamente. Durante um bom tempó, ficaram naquele campeonato de gritos. Até que ela se deu conta. Levantou-se. Ainda gritando, aproximou-se dele e beijou-o. Como nunca havia beijado.

Escolhas

A geladeira possui uma mística toda especial. Pena que nunca ouvi falar qual é, mas tudo bem. Aquela mulher parece que sabia. Fitava sua geladeira de forma tão compenetrada, assustadora até. Olhando pra ela, várias coisas poderiam passar pela cabeça. Freud com certeza diria que suas relações sexuais não davam certo, logo via o seu eletrodoméstico como uma metáfora para caracterizar essa situação. Ou ela teria sido estuprada na infância pelo pai e queria um lugar seguro pra se esconder. Se bem que, dentro da geladeria, ela poderia pegar um baita ressfriado. A questão é tentar decifrar o que se passa na cabeça de alguém com fixação por geladeira. Ah, quase me esqueci de um detalhe importantíssimo. A porta estava aberta. Do aparelho de refrigeração, claro. (Só uma coisa: detesto ter que usar termos equivalentes pra evitar repetições desnecessárias, ou seja, sinônimos são um saco.) Portanto, concluímos que ela não estava nem aí pra conta de energia elétrica. E também tinha consciência ambiental zero. Infelizmente, essa pessoas ainda existem. Mas voltando pra essa pobre senhora . . . Tá, esquece o tratamento formal: era uma mulher feia e gorda que não sabia o que fazer da vida. E, sinceramente, é melhor eu ter pena de mim mesmo, já que ela não tem jeito. O mais interessante dessa história toda é com o quê aquela dona lá perdia tanto tempo. Simples, pra não dizer óbvio: deveria escolher manteiga ou margarina? No fim, optou por chocolate.

P.S.: Totalmente sem noção . . .

Coelho urbano

Na verdade, já estava cansado daquela boate. Coisa normal quando se visita o mesmo lugar pela décima vez seguida. Aliás, essa seria uma ótima justificativa para o desânimo que sentia. Mas sabia que não era. O cerne do problema residia na sua imensa incapacidade para travar relacionamentos afetivos com alguém do sexo oposto. Tradução: ele só levava toco. E isso é uma coisa interessante, porque não era tão feio assim. Nem tão chato. Ficava exatamente num nível mediano. Pensando bem, talvez o motivo para o seu fracasso seja exatamente esse. O mundo está cheio de pessoas medianas. Apagadas. Que não fazem falta. As mulheres reparam muito nisso, pelo jeito. Se não, o que explicaria sua solidão? Ele pensou um pouco e decidiu que já era hora de mudar. Tinha potencial. Conseguiria facilmente se plenificar de outra maneira. Não, não pensava em virar gay. Até já tentara, mas . . . ops, desculpa, certos detalhes da intimidade não devem ser explorados. Então, foi pro meio da pista de dança. Tocava Black Eyed Peas, mais especificamente "Pump It". Claro, a solução era essa! E começou a pular. Como se fosse alcançar o céu. Cada pulo libertava mais sua mente. Nunca se sentira tão bem assim. Resolveu ser mais audacioso. Tentou um pulo extraordinário, daqueles de fazer inveja ao Jadel Gregório (em ano olímpico, é sempre bom valorizar o esporte XD). E foi. Com fé. Bastante, diga-se de passagem. Só que, óbvio, aconteceu uma coisa não muito agradável. Na verdade, nada agradável. Extremamente detestável. Ele bateu a cabeça no globo do teto e caiu de mal jeito, quebrando o pé. Ficou inconsciente (era muito fraco pra dor), só acordando no dia seguinte, num quarto de hospital. Pra piorar, a enfermeira era lésbica.

quarta-feira, 16 de julho de 2008

Coisas da vida

- Pai, por que as pessoas morrem?
- Ahn . . . Olha, filha, a vida é como um novelo de lã. Tudo começa na ovelha, que dá lã. Aí sua mãe compra no mercado. E tricota. Ou faz crochê. Não importa a peça de roupa que ela faça, aquele monte de lã vai se desfazendo pra dar origem a uma outra coisa. Depois de algum tempo, o novelo começa a acabar. Até que não sobra mais nada do original.
- E aí, o que acontece?
- Sabe de uma coisa, filha? Eu nunca tricotei. Nem fiz crochê.
Cri, cri, cri . . .
- Mas você bebe cerveja, certo?
-Sim, por quê?
- Nada não, é que eu acho uma droga.
Cri, cri, cri . . .
- Vamos tomar sorvete?
-Eba!

P.S.: Certas coisas é melhor a gente simplesmente aceitar.

Fraqueza

O encontro estava bom. Ele discorrera sobre os mais variados assuntos, expusera seus lados mais distintos (com aquela ajudinha do uísque, claro). Então aconteceu. Aquilo que nunca poderia acontecer. Algo abominável para o ser humano. O silêncio. Sim, ninguém suporta o silêncio. É constrangedor. Simplesmente a ausência de palavras. Assim como a morte é a ausência da vida. Exatamente isso. O silêncio é a morte social. Indica que os vínculos entre as pessoas se romperam. Por mais forte que seja o sentimento, o silêncio engole-o, naufraga-o. Essa era sua visão. Ficou longos minutos naquele situação. Intermináveis minutos. As mãos começaram a suar. Anteveio a idéia do fracasso. Veio o tremor. Tinha raiva de si mesmo. Não conseguia nem manter uma conversa em pé. Depois começou a sentir insegurança. Abaixou a cabeça um instante. De onde tirar forças? Era um completo inútil. Deveria ter sido abortado. Pois não fazia isso agora? Abortava o encontro. Minava as chances de dar certo. E então, a única coisa pior que o silêncio apareceu. Uma lágrima. Solitária. Símbolo máximo da fragilidade. Conexão íntima da alma com o resto do mundo. Ergueu a cabeça. O rosto à sua frente permanecia inflexível. Imutável. E, lentamente, o espelho escorregou de suas mãos.

P.S: Desculpem a divagação, circunstâncias exigiram.
P.P.S.: Nícholas, acho que essa se parece com seu estilo.

terça-feira, 15 de julho de 2008

Paralisia

Mais uma vez no mesmo consultório. Sentou-se na poltrona azul. Ainda lembrava-se da primeira coisa que a psicóloga lhe falara: "Escolha um dos azuis". Na verdade, já estava farto de tudo aquilo. Olhou para o ar-condicionado. 24º. Inflexíveis. Sempre lá. E isso, mais uma vez, proporcionou-lhe aquela já conhecida sensação de tédio, paralisante, mortificante. Exatos 45 minutos depois, saiu, com a sensação de ter ficado ainda mais vazio. Como das outras vezes. Expunha sua intimidade visceralmente e não recebia nada em troca. Andava desolado. Por dentro. Sua aparência exterior era apática, como uma paisagem sem cor. Ou melhor, cinza. Sua vida era cinza, numa eterna indefinição ente o preto e o branco. Já se acostumara. Será? Pelo menos tentava. Mas, num segundo, tudo pareceu mudar. Um baque. Acidente de trânsito. Vidro pra todo lado. Sirene. Luzes. Ele, petrificado, olhava. Surge à sua frente uma mulher, fora sua namorada de infância. Sangue no chão. Ela começa a conversar. Uma pomba no céu. Pessoas sendo retiradas do meio das ferragens. A voz. A pomba some por entre os edifícios. E ele pensa que pode mudar, pode fazer tudo diferente. O acidente penetra-lhe nas veias, a mulher envolve-lhe a mente. Só precisa identificar um detalhe. Para ter certeza. Para libertar-se. Olha para a esquina. O termômetro marca 24º.

Conexões

Ele não gostava dela. Muito menos ela dele. Mas, por motivos que ninguém sabe explicar, casram-se. E, não sendo infertéis, tiveram filhos. Depois netos. Estes últimos foram a maior contribuição que puderam dar, porque um deles, menininho de 4 anos, matou uma formiga (até onde eu saiba, isso não é crime ambiental . . . Ei, seria uma boa idéia criar a ONG "Formigas Forever", né?). A questão que muda toda a história é a folha que esse pobre inseto carregava. Uma folha verdinha, no auge da sua majestosa existência, cujo destino seria mofar infinitamente no formigueiro e que, agora, graças ao seu pequeno herói, convertera-se numa morte digna. Essa folha viera de muito longe, na verdade de uma praça nos confins da cidade. O lugar fora o maior point da cidade quando a Alzira era jovem (XD), mas hoje está às moscas. Exatamente ali, havia uma lata de lixo (não sei por que, pois ninguém ia praquela joça). Dentro dessa lata, encontrava-se uma única folha de jornal, extremamente peculiar, já que nela tinha a foto de uma certa pessoa muito interessante. Sabe quem é? Nem eu. Fim.

P.S.: Porque isso aqui não é "Casos e Acasos" . . .

A fibra

Ela era uma fibra. Vegetal. Estava numa árvore, dessas que se usam pra fazer papel. A condição de fibra acabava com ela, quer dizer, é uma indefinição muito grande, provocadora de graves crises existencialistas (nunca se sabe onde uma começa ou termina), mas enfim, isso é assunto pra um outro post. Ela ficara sabendo (não me pergunte como) que, um dia, viraria papel. Mal podia esperar. Seu maior sonho era ser folha sulfite, porém se contentava se fosse parar num caderno. Sentia até calafrios ao imaginar uma caneta, um lápis ou mesmo a tinta da impressora deslizando por ela. Até que, um dia, a árvore onde ela estava foi levada pra fábrica e passou por todos aqueles procedimentos de tirar a casca, picar, até virar papel. Já na embalagem, a fibra morria de excitação. Chegava a suar (?) de nervoso. Uma pena que ela não pudesse ver (??) o que acontecia à sua volta, pois estava no meio da folha, por sinal muito lisa. Estranhava que suas "colegas" estivessem tranqüilas, até mesmo melancólicas. Felizmente o papel foi comprado logo. Chegando à casa do seu novo dono, a fibra estranhou que não fosse para o escritório, e sim para um cômodo estranho, o qual ela nunca imaginara (obs.: a essa altura, seu ângulo de visão melhorou um pouco). Aí então ela caiu em si: já ovira falar nesse que era o inferno das fibras, mas, à essa altura, ela já estava limpando a bunda de alguém como você.

P.S: Destino mais triste pra ela, não?

segunda-feira, 14 de julho de 2008

Um final feliz

Ela sempre morrera de curiosidade pra saber o que o marido ocultava dentro do misterioso baú, mas ele nunca a deixara sequer aproximar-se do quarto onde a arca ficava. Foi por isso que, quando a esposa viu-se totalmente sozinha em casa, correu pro quarto. Parou diante da porta e fitou-a. Não costumava desobedecê-lo, e nada dera errado no casamento até então, pelo contrário, teve suas expectativas amplamente superadas. Até pensou em dar meia volta, só que a tentação de entrar foi aumentando, até que ela cedeu. Dentro do cômodo, apenas o baú. Tão pequeno, e ao mesmo tempo tão expansivo. Emitia uma aura poderosa, que dominava a mente dela, não sendo nada no mundo mais importante que abri-lo. Enfim, a mulher aproximou-se do objeto e puxou a tampa (só não me perguntem por que o imbecil do marido dela tinha deixado sem trancar . . . ), encontrando números de contas secretas na Suíça. Nesse momento, ouviu rangidos na escada (obs.: espero que todos tenham imaginado o quarto no sótão, quer dizer, é meio óbvio, em qualquer história desse tipo fica no sótão, mas se não sabiam disso, bem, só posso dizer que são muito sem cultura XD) e virou-se abruptamente, o coração palpitando, as mãos, geladas, só pensou em rezar qualquer coisa. Olhou a porta e viu entrando, de forma triunfal, um rato feio pra burro. Então, mais que depressa, pegou o baú, fugiu pra Europa e viveu feliz pra sempre.

P.S.: se você achou isso muito tosco, então não se iluda, porque a vida é assim.

Primeira vez

Estava nervoso. Era sua estréia naquilo. Olhou pro céu, o luar banhava a relva macia onde se encontrava. Começou a tremer, as mãos suando frio, pensou em desisitir de tudo, mas, ao olhá-la, entendeu que deveria continuar. Seria muito desrespeito, afinal ela lhe esperara durante o dia todo. Ele é que fora tão covarde a ponto de adiar o momento até não poder mais. Mas tudo bem. Posicionou-se adequadamente. Sim, porque se você ficar desajeitado, certamente sofrerá uma nada agradável dor nas costas. Olhou para ela e acaricou-lhe levemente as mamas. Tem que tomar cuidado para que tudo saia perfeito. Lembrou-se então so conselho do pai: faça movimentos ritmados, comece devagar e vá acelerando até sair tudo. Ele procurou manter a calma e foi fazendo conforme lhe ensinaram. De repente, viu o líquido branco jorrando e sorriu. Conseguira finalmente! Afastou-se dela e parou pra apreciar aquele momento quase mágico pelo qual passara. Por fim, tomou coragem e saiu gritando: já sei tirar leite de vaca!

P.S.: Já foi pensando besteira né . . .

A vida como ela é

O sujeito usava óculos. Nada mais coerente pra quem tem 5 graus de miopia. Na verdade, 4,75 num olho e 5,25 no outro. É, ele era chato a esse ponto. Mas o problema é que chovia. Sim, eu sei que vão pensar "E o que tem chover?". Realmente, a chuva não possui nenhum grande significado. Agora quando você a coloca junto com óculos, as lentes embaçam. E isso atrapalhava a vida do pobre homem. De repente, ele percebeu que aquilo trazia um significado muito especial. O esperado seria alguma metáfora como a minha visão do mundo é embaçada pela água que me jogam ou qualquer coisa nesse sentido. Aí todos bateríamos palmas e elogiaríamos a veia poética do cara, a profundeza de seu pensamento. E daquele dia em diante a vida dele mudaria, do tipo "Meu Deus, preciso falar com fulano, o que eu fiz foi tremendamente errado", ou então ele terminaria dando uma de filósofo e ficaria o resto da história lamentando, enfim, teríamos um daqueles finais típicos de contos de revelação, onde qualquer peido vira motivo reflexões intensas. Felizmente, o homem é questão é absolutamente normal, daqueles vão ao banheiro (porque é impressionante como os grandes personagens têm suas necessidades mais básicas negligenciadas). E, naquele momento, um único pensamento perpassou sua mente: preciso usar lentes de contato