Ela estava tão feliz! Tinha esperado semanas, meses, até mesmo anos para aquele momento. Nunca pensara que um dia ele finalmente olharia pra ela, a menina tímida de óculos e cabelos crespos sentada na segunda carteira da fileira do meio. É, tudo bem que agora ela tinha feito escova progressiva, algumas luzes e usava lentes de contato, mas ainda assim achava-se pouco frente à beleza fenomenal dele. Deus grego? Não, muito mais que isso. A começar pelos olhos azuis amendoados, que contra a luz adquiriam um leve brilho verde. Depois aquele corpo, másculo e suave, como se fosse esculpido pelas mãos de um Michelangelo. Ah, ia se esquecendo da boca, emoldurada por lábios carnudos, um convite irrestível à volúpia. E os cabelos, eternamente despenteados, loiro-acastanhados, cortados bem curtos. Enfim, tudo nele fazia com que seu coração acelerasse, seus olhos brilhassem, sua respiração ficasse ofegante. Tanto que quase teve um infarto fulminante ao receber aquele telefonema. Pra dizer a verdade, estava até irritada naquele dia, depois de penar com o trânsito horrível e com as grosserias de seu adorável chefe. Disse alô um tanto brusca, mas quando ouviu sua voz de veludo tudo mudou, chegou mesmo a perder a fala. E quando ele fez o convite, então... Podia ouvi-lo dizer encontre-me amanhã à noite no parque do..., preciso muito te beijar. E desligou o telefone. Ela chegou antes do fim do pôr-do-sol. Deleitava-se com a espera. Imaginava ardentemente ele chegando, aproximando-se dela, meu Deus quanta alegria! Às oito e trinta e cinco ele desceu do seu carro e caminhou até ela. Olhou-a nos olhos. Foi levando sua cabeça bem perto da dela, até seus lábios roçarem-se de leve, como se estivessem tímidos ou receosos. Depois, ele abriu sua boca devagar e deixou sua língua encontrar-se com a dela, numa brincadeira travessa de esconde-esconde. Explorou as bochechas, o palato, todas as reentrâncias com as quais entrava em contato através daquele beijo. Era indescritível o sentimento que ela experimentava. Gozo maior não poderia haver. Não existia passado nem futuro, sua vida era o presente, ali, com ele. Nossa, que sensação maravilhosa sentia! Estava tonta de tanto prazer! Inundava-lhe um gosto estranho, sublime, era o seu corpo entrando na ebulição apaixonada que sua mente já desfrutava há muito tempo. Ela enfim desfaleceu. Ele afastou-se lentamente. Retirou o punhal do ventre dela. Limpou o sangue em sua roupa e foi embora. O corpo ficou caído, com o último sorriso petrificado para sempre.
P.S.: "Mas o covarde mata com um beijo" - Mal Secreto.