sábado, 30 de agosto de 2008

Opressão

Sentia-se preso. Totalmente preso. A compressão em torno de si era total. Nunca queira passar por isso. É horrível não poder sair, não poder seguir seu próprio caminho, depender da boa vontade alheia para um dia ser alguma coisa na vida. Tudo que ele queria, tudo que ele mais desejava era uma chance para provar o fresco ar da liberdade. Porém não o deixavam. Tinha certeza de que, um dia, mostraria ao mundo seu valor. Maldito o dia em que ele se formou! Maldito aquele que lhe proporcionou essa existência ridícula, inexpressiva! Era comum passar por esses repentes de revolta. Quando estava se conformando, criando esperanças, algo o apertava ainda mais. Assim não dava! O duro é que não tinha pais que lhe consolassem, aliás, não tinha nada nesse mundo a não ser ele mesmo. E não adiantava procurar um culpado. Sabia que sua vida não passava disso. Porém, como é de praxe, depois de o personagem principal reclamar pra caramba, vem o momento da iluminação. Ele percebeu uma movimentação dentro de si. Chegava perto de entrar em verdadeira ebulição emocional. De repente, vê uma porta aberta, que o conduzirá para a vida com a qual sempre sonhou. Fora esse o momento que sempre pedira! Finalmente podia gritar, fazer barulho mesmo, ocupar todo o espaço ao seu redor. Assim constituíram-se seus doces segundos de glória. Sim, porque logo depois foi se dissipando, tornando-se cada vez mais diáfano, até sumir completamente. E assim terminou a história de um pobre e obstinado pum.

segunda-feira, 11 de agosto de 2008

Perfil

Acostumara-se a ser odiada por todos. Desde sempre só ouvia reclamações, pragas, xingamentos. Nunca soubera o valor do afeto. E nisso invejava muito os outros: mesmo nas horas de maior dificuldade, como as que já se habituara a presenciar, as pessoas não faltavam umas às outras. Isso lhe provocava um aperto imenso no que podia chamar de coração. Tinha de concordar: nem sempre aparecia nas horas mais propícias. Mas não era culpa dela, apenas seguia as ordens. É, parece desculpa de ex-soldado nazista. Fazer o quê. É impossível convencer a todos. Para efeito de definição da própria identidade, comparava-se ao vizinho chato do segundo andar, que, no melhor da festa, arromba a porta junto com a polícia e acaba com tudo. Daí você pode ter uma leve noção de como odiavam-na. Nunca tentaram defendê-la, e seu discurso era sempre em vão, de modo que começara a aventar a hipótese de desisitir de tudo. Chega uma hora em que o cansaço vence. De que adiantaria, porém? Ainda assim seria incapaz de comover o coração mais mole, de extrair uma minúscula gota de compaixão. Eu sei, é deprimente tudo isso. Acontece que eu prometi escrever até o fim e estou disposto a seguir o meu propósito. Prefiro deixar de fazer qualquer descrição dela, afinal não quero assustar ninguém em demasia. Basta pensar em alguém extremamente infeliz, que deixa os outros em situação pior do que a própria, às vezes, e que não pode largar sua sina. É um bom resumo do que foi dito até agora. Portanto, senhoras e senhores, tenho a honra de lhes apresentar a Morte.

Flashback

Morreu às 23h30min daquela sexta-feira, abandonada num corredor escuro de um hospital público. Às 21h50, fora encontrada num beco sujo, com uma poça de sangue ao seu lado. Não tinha forças nem para gritar. Percebiam-se claramente sinais de severa agressão. Às 20h30, dois homens abordaram-na no seu trajeto para casa, um deles portando revólver calibre 38. Fora conduzida até o já citado beco e estuprada, de forma sádica, com a produção de várias escoriações pelo seu indefeso corpo. Às 19h30, voltava de seu emprego exausta. Mais uma vez sofrera as humilhações da patroa, aguentando tudo calada, afinal era o único sustento com o qual sua família podia contar. Tinha certeza de que, um dia, seus méritos seriam recompensados, nem que fosse pelo Deus tão comumente falado pelas pessoas. Às 15h, ainda guardava uma leve esperança de comer, já que tinham roubado seu almoço, como de praxe. Mas sabia muito bem da boa-vontade de D. Augusta: dela não podia esperar nada, exceto um mísero salariozinho no fim do mês, isso quando Seu Artur conseguia manter as contas da casa "em dia" (desculpa de rico pão-duro, raciocinava). Às 10h caminhava um tanto apressada por uma dessas ruas feias, encontradas em todas as grandes cidades. Se chegasse atrasada mais uma vez, levaria uma bronca daquelas. E, sinceramente, não gostava de ser repreendida tão severamente. Às 7h presenciara mais uma briga entre seus pais, ele eternamente bêbado, ela sempre reclamando de tudo. Até que ponto eles ficariam sem se matar? Às 6h, acordara e pensara: "Hoje o dia tem tudo pra ser maravilhoso!"

domingo, 3 de agosto de 2008

Apenas um filme

Fila do cinema. Ele estava lá. O filme? Obviamente não sabia. Quer dizer, ouvira algum comentário interessante. Ou lera qualquer crítica por aí. Simplesmente teve vontade de ir ao cinema. Convivia bem com o fato de estar num ambiente propício a manifestações calorosas de amor. Ainda mais levando-se em conta o fim de seu noivado no dia anterior. Podia aguentar isso. Não, não comia pipoca. Grande idiota quem resolveu juntar cinema e pipoca. Ou alguém muito inteligente, pois as pessoas, em geral, adoram se encher de calorias inúteis. Entrou na sala. Ficou olhando pra tela ainda em branco. Sinceramente, ele não sentia ódio. Também não estava magoado. Não conseguia sentir nada. Acontecimentos impactantes tinham esse efeito curioso sobre ele: deixavam-no travado. Sua mente vagava, como se nada existisse. Talvez fosse uma tentativa de se esconder da realidade. Que pode ser cruel às vezes. Ou o cara era só meio débil mental, vai saber. As luzes são apagadas. Alguns gritinhos. Como de praxe. Passam trailers, começa o filme. Ele tinha uma certa consciência do que acontecia. Mas as informações não atingiam seus neurônios de fato. Poderia continuar assim por tempo indeterminado. E estava disposto a isso. Preparava-se até, quando a tela ficou escura. Ouviu-se um grito: "Fogo!"As pessoas começaram a correr pra todos os lados. Então ele despertou. Ainda disse para si mesmo como o povo era besta, incapazes de perceber que tudo não passava de um filme. Permaneceu no lugar. Encontraram seu corpo carbonizado no dia seguinte.

P.S.: Ir ao cinema na sexta dá nisso . . .