quarta-feira, 8 de julho de 2009

Lembrança

Uma lágrima. Só isso. Toda uma vida concentrada naquela mísera gota salgada, resultado de complexas interações entre neurotransmissores de origem incerta e não sabida. Apenas uma lágrima. Fruto de um turbilhão de sentimentos os mais contraditórios possíveis, desencadeados pela simples visão de uma pétala de rosa. Se ainda fosse uma rosa inteira, magnífica em sua beleza rubra, se abrindo para o exterior cheia de graciosidade, vá lá, mas uma única pétala? Sim, exatamente isso. Afinal, não havia métafora melhor para representar anos e anos de afeto, dedicação e respeito que um dia lhe concedera, anos esses simplesmente ignorados em poucos dias, não mais. A pétala solta no meio de corriqueiros redemoinhos provocou verdadeira profusão de imagens em sua mente, sucedendo-se em lampejos repentinos e ofuscantes. Mas já não tinha superado?, diziam as amigas - e os amigos também, por que não?, ainda que teimem em dizer o contrário, existe sensibilidade na alma masculina. A resposta vinha-lhe como um trem desgovernado a subir por sua garganta, inundava sua boca com seu apito estridente, sinal de que queria sair o quanto antes possível. Contudo, selava firmemente os lábios, prendendo tal locomotiva em fúria, engolindo-a de volta e soltando, como se fosse um fiapo de fumaça, alguma de suas manjadas desculpas, sempre do tipo sim, eu tinha, é só que... Enfim, voltando à pétala inicial: quase já não podia vê-la, levada pelo vento, como todos sabem grande aliado do tempo, atuando como implacável desfazedor de registros. Claro que não foi diferente com aquele pobre pedaço de flor. Mas a lágrima continuava lá. Saindo das profundezas de glândulas entranhadas em certo orifícios oculares, tinha brotado de um cantinho do olho para depois escorrer lentamente pela face, como um riacho que aos poucos estabelece seu leito. Até que, passando através da suave elevação dos lábios, chegou ao queixo, de onde, num átimo, caiu ao chão. E secou. Não havia mais pétala. Não havia mais lágrima. Não havia mais nada.

2 comentários:

Nícholas Mendes disse...

só uma coisa.
interpretei a pétala como parte de alguma coisa maior (rosa) e a lágrima como um sinonimo da pétala. (a lágrima eh parte de um sentimento completo.)
cara.....achei show.!
nao vou conseguir fazer elogios como os seus.
nao tenho ainda essa capacidade.
só saiba que me emocionou muito.
parabens.
eh um ótimo ponto de vista.

Fernando Neves - KroSS disse...

Eis um que ressurge das cinzas poéticas. E como as fênix: cada vez mais forte.

Bom, já vou começando com a minha cotidiana sessão pobre e mísera de eruditismo: "PORRA! CARALHO DE PICA ENTRANDO NUM BURAQUINHO PEQUENINHO DO TAMANHO DO MEU DEDINHO! AAAAAAAAAAH MULEQUE! GOZEI!"

Bom. Essa foi a emoção clímax que você pode imaginar enquanto eu leio teus textos. Porra. Não sei o que você nos meus textos sendo que a perfeição metonímica destes estão não na sua escrita, mas na sua pessoa. No limbo sentimental que sua mente procura,encontra, metaforiza de maneiras inteligíveis e então concretiza em palavras tão, tão... tão inexplicáveis quanto ao próprio sentido do inexplicável. Só lendo para se ter uma sensação similar. Procurar entender como a sua mente trabalha para então poder criar esses exímios literários.
Fico apenas imaginando, refletindo... sonhando.

É meu amigo, se você dizer que não tem o dom pra isso, eu broxo.

E naquela que você mesmo me disse uma vez: "Fazia tempo que você não postava né XD. E isso deu até mais efeito, porque a espera valeu a pena."

Bom. Quanto a análise gramatical ou poética é dispensável já que estamos próximo a uma perfeição. E caso alguém encontre imperfeições, do que seria o todo sem o nada? Belo sem o feio? Bom sem o ruim?
Apesar de meros conceitos humanos, aqui a situação transcede esses significados.
Agora quanto ao contexto, devido aos meus momentos psicológicos, dei o significado a pétala: uma mulher. Apesar daquela parte da rosa inteira.

E notei uma característica muito forte do significados que a pessoa dá a uma simples pétala ao olhar de outras pessoas. Me lembra Clarice Lispector. Bacana.

Aqui vai meus humildes parabéns e um grande obrigado pelo teu comentário, que como sempre eu pago-pau.

Té um futuro próximo.
Não vou aguentar: "PORRA! QUE TEXTO DUCA!!! ESCREVE MAIS CARALHO!!!"

xD~