terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Amenidades urbano-coletivas

Os sacolejos do ônibus eram particularmente inspiradores naquela situação peculiar. E as andorinhas voavam livres por entre um céu encoberto e áspero. Conversas entrecruzavam-se em saltos acrobáticos mirabolantes até atingirem a suave membrana do tímpano do receptor desejado e de alguns (vários) indesejados. Não tivera muita sorte de conseguir um lugar na cadeira dura, de traços antianatômicos, contra tudo o que pregam os mais experientes especialistas do ramo. Sem contar os odores de múltiplas tonalidades que lhe eram servidos logo acima de suas vias respiratórias aéreas pelas axilas mal lavadas (algum dia teriam sido lavadas?) de algum inoportuno usuário de camiseta regata e de forma alguma consumidor de desodorantes. Um cenário, enfim, como poderíamos defini-lo... coletivamente urbano. Ou urbanamente coletivo, talvez. Para todos os efeitos, convidava a uma profunda reflexão de ordem escatológico-moral sobre o que havia esquecido de comprar no supermercado. Sim, porque, além da infinidade de pequenos detalhes acima expostos, ainda devemos acrescentar um razoável número de sacolas plantadas a seus pés, as quais, num dia de frio, fariam o favor de aquecer o retorcido conjunto de joanetes que trazia grudado a seus tornozelos, mas naquele suave calor de uns 40º na geladeira - calor esse que os ursos polares vão ter de suportar dentro de breves anos, até meses (que o digam os sapientíssimos doutos do IPCC) - serviam apenas para estimular suas glândulas sudoríparas podais, que lentamente destilavam seu líquido para dentro de uma das sacolas, o qual se misturava com a água derretida do chester anteriormente congelado. Enfim, no fundo sabia que não tinha esquecido nada, mas ia chegar em casa, ser espancada por qualquer razão fútil de seu marido etilizado (não confundam com elitizado, por favor!), e então arrumaria alguma coisa pra ter esquecido e voltar novamente ao mercado. Acordaria no dia seguinte bem cedo, umas 7h, provavelmente, enquanto o nobílissimo esposo ainda dormia, fruto dos excessos da noite, se arrumaria (e não arrumar-se-ia, quer mesóclise, vá ler Machado de Assis) e iria pro ponto (de ônibus, mente pervertida!). Pronta pra mais uma jornada na coletividade urbana. Ou urbanidade coletiva, que seja.

2 comentários:

Nícholas Mendes disse...

então vc só pega pra ler meus piores poemas.
uyahauhauhauhauha
ultimamente to sem conseguir escrever e acabo escrevendo aquilo lá que leu.
Não sei se é tudo aquilo que vc elogia.... pois bem, vamos ao TEU texto.
ótimo, coitada da mulher, supermercado+busão no calor+apanhar do marido+fugir de casa+busão+casa+busão+supermercado........
pra sempre!!!
vc devia ter um pouco de dó das tuas personagens. Um dia elas podem se rebelar.
uyauahuahua tah ai uma boa idéia.
O.o!
teus textos são magníficos e modernos, e...querendo ou não... mostram uma realidade.

PS: quero que vc leia um poema meu, que fala "bumba meu boi...."

ps2: Não some do blog manooo!!! vc simplesmente desaparece.

ps3: faloo!!
até o próximo post.

M. disse...

é, é horrível, angustiante e todos esses adjetivos ruins. você já passou por isso? talvez não seja pela mesma razão que eu, mas é bom saber que eu ainda não sou um caso que precisa de tratamento psiquiátrico. ahuahua

e... eu conto continuar a escrever sobre isso, às vezes é bom pra externar as coisas que ficam engasgadas na garganta.

adorei o seu post, sério! e os seus personagens também são muito bons! é muito legal o jeito que você descreve coisas pequenas do dia-a-dia , que acontece com todo mundo, mas nem todo mundo presta tanta atenção.

continue a escrever, gostei muito também! até o próximo post :*