Estava lá. Em algum lugar indefinível pelos milhares de palavras que trazia eternamente escondidas em algum recanto obscuro da memória. Bastava saber que estava lá, e não aqui. Pois aqui não poderia sentir azuis e vermelhos como sentia lá. Com algumas leves nuances de rosa no meio. Talvez isso desse uma resposta definitiva para as perguntas que nunca tivera a coragem de fazer. Ou talvez tudo se resolvesse na infindável espiral de ópio que se via obrigada a encarar, numa tentativa deveras inútil de sobreviver. Lá podia ser metafisicamente, ainda que precisasse de remédios substantivadores para suportar a dor de ter uma alma. Somente lá dera-se conta do absurdamente maravilhoso, que trazia consigo o absolutamente terrível, do qual ninguém consegue escapar a não ser despojando-se de tudo o que traga a mínima ideia de autoconsciência. Lá impunha-se uma rígida disciplina desafiadora, sempre com a vaga - mas persistente - esperança de romper os limites do intransponível. Coisa que não teria condição alguma de pensar caso permanecesse aqui, presa num emaranhado de correntes insolúveis a lhe sorver constantes sopros da mente. De qualquer maneira, continuava saboreando a infinidade de azuis e vermelhos que não cessavam de passar bem na sua frente, tentando extrair deles ao menos uma sombra de roxo para apaziguar os ardentes anseios da vontade. Mas - ironia cruel do destino - lá, apenas lá, caiu em si. E embora todo o universo conspirasse para com isso compor uma possante sinfonia em dó maior, ou também uma alegre sonata indefinida em ré, a única coisa que lhe passou pela cabeça foi a certeza de sua sina inexorável. Por mais que tivesse chegado lá, sua vida não passaria de um eterno tender ao infinito, sempre se dissolvendo em amargas cores e assim tornando-se projeção contínua de um não-eu quase morto. Veja bem, quase. Nunca teria a graça de receber um ponto final que acabasse com suas angústias repentinamente. E, então, quando o lá se convertesse em aqui, estaria novamente perdida, pronta pra se jogar inteiramente no primeiro abismo que encontrasse - para descobrir que dentro do espelho a realidade nunca é o que parece ser.
2 comentários:
me identifiquei muito com esse texto, e estou relendo cada frase um milhão de vezes. muito bom, sério, amei!
até a próxima :*
Bom, já nem preciso ficar fazendo elogios sobre a gramática pq o texto tá impecável. E vejo aquele eu-lírico mais antigo seu, aquele contestador, aquele que faz do banal algo formidável... e de quebra esse texto é um daqueles seus filosofais!
HAHAH!
Aquela última frase "para descobrir que dentro do espelho a realidade nunca é o que parece ser." foi uma das que mais me fizeram pensar! A idéia do espelho simétrico, que produz imagens de lados trocados com o objeto... OH MY GOD! Mtas interpretações!
É isso ae k'a, apesar d'eu não ter lá aqueles comentários elaborados, gostei pakas do texto!
Postar um comentário