sábado, 19 de dezembro de 2009

Metafísica do nada

Estava lá. Em algum lugar indefinível pelos milhares de palavras que trazia eternamente escondidas em algum recanto obscuro da memória. Bastava saber que estava lá, e não aqui. Pois aqui não poderia sentir azuis e vermelhos como sentia lá. Com algumas leves nuances de rosa no meio. Talvez isso desse uma resposta definitiva para as perguntas que nunca tivera a coragem de fazer. Ou talvez tudo se resolvesse na infindável espiral de ópio que se via obrigada a encarar, numa tentativa deveras inútil de sobreviver. Lá podia ser metafisicamente, ainda que precisasse de remédios substantivadores para suportar a dor de ter uma alma. Somente lá dera-se conta do absurdamente maravilhoso, que trazia consigo o absolutamente terrível, do qual ninguém consegue escapar a não ser despojando-se de tudo o que traga a mínima ideia de autoconsciência. Lá impunha-se uma rígida disciplina desafiadora, sempre com a vaga - mas persistente - esperança de romper os limites do intransponível. Coisa que não teria condição alguma de pensar caso permanecesse aqui, presa num emaranhado de correntes insolúveis a lhe sorver constantes sopros da mente. De qualquer maneira, continuava saboreando a infinidade de azuis e vermelhos que não cessavam de passar bem na sua frente, tentando extrair deles ao menos uma sombra de roxo para apaziguar os ardentes anseios da vontade. Mas - ironia cruel do destino - lá, apenas lá, caiu em si. E embora todo o universo conspirasse para com isso compor uma possante sinfonia em dó maior, ou também uma alegre sonata indefinida em ré, a única coisa que lhe passou pela cabeça foi a certeza de sua sina inexorável. Por mais que tivesse chegado lá, sua vida não passaria de um eterno tender ao infinito, sempre se dissolvendo em amargas cores e assim tornando-se projeção contínua de um não-eu quase morto. Veja bem, quase. Nunca teria a graça de receber um ponto final que acabasse com suas angústias repentinamente. E, então, quando o lá se convertesse em aqui, estaria novamente perdida, pronta pra se jogar inteiramente no primeiro abismo que encontrasse - para descobrir que dentro do espelho a realidade nunca é o que parece ser.

2 comentários:

M. disse...

me identifiquei muito com esse texto, e estou relendo cada frase um milhão de vezes. muito bom, sério, amei!

até a próxima :*

Fernando Neves - KroSS disse...

Bom, já nem preciso ficar fazendo elogios sobre a gramática pq o texto tá impecável. E vejo aquele eu-lírico mais antigo seu, aquele contestador, aquele que faz do banal algo formidável... e de quebra esse texto é um daqueles seus filosofais!
HAHAH!
Aquela última frase "para descobrir que dentro do espelho a realidade nunca é o que parece ser." foi uma das que mais me fizeram pensar! A idéia do espelho simétrico, que produz imagens de lados trocados com o objeto... OH MY GOD! Mtas interpretações!

É isso ae k'a, apesar d'eu não ter lá aqueles comentários elaborados, gostei pakas do texto!