segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Suicídio

Quando será que decidira se matar? Bem, pergunta difícil de responder. Não foi assim um insight, aquele tipo de iluminação com direito a trilha sonora e tudo. Mas também não foi resultado de um planejamento de longo prazo. Aliás, ele detestava planejamentos. Sua decisão ficava num meio termo entre esses dois extremos. A ideia vinha lhe visitando faz algum tempo. Como um pensamento meio passageiro, mas recorrente. Daqueles que a gente tem enquanto está na privada e não há nada para ler ou sofre com noites intermináveis de insônia. O motivo? Sinceramente, ele desconhecia. Quer dizer, podia selecionar qualquer um dos vários infortúnios por que passara em sua vidinha medíocre, desde os mais dramáticos (como matar acidentalmente o filho por tê-lo esquecido dentro do carro) até os mais fúteis (no caso, a barriguinha de chope, sempre incomodando). De qualquer forma, pelo que recordava, a certeza viera-lhe durante o banho, na noite anterior, no exato momento em que passava o sabonete por sua virilha esquerda. Depois de decidir, restava escolher o método. Nunca fora afeito a emoções muito fortes, por isso descartou logo se atirar pela janela do décimo andar, se enforcar, se afogar e outras coisas do gênero. Considerou tomar meia dúzia de comprimidos para dormir, mas aí poderia morrer no meio de um sono, ou até de um pesadelo, o que seria horrível sob qualquer ponto de vista. Se tivesse um revólver, atiraria em si mesmo, mas, como fica claro com o uso do subjuntivo, essa hipótese já nasceu impossibilitada de ocorrer. Por fim, resolveu tomar um restinho de veneno de rato, guardado num canto obscuro da despensa. Acordou bem cedo no dia de sua morte. Foi ao banheiro, tomou café, escovou os dentes. Colocou o veneno num copo com água e dirigiu-se ao seu quarto. Queria morrer bem ali, onde passara algumas das piores (e uma ou outra boa) horas da sua vida. O clima não podia ser mais bem apropriado.  Quando aproximou o copo da boca, ouviu a porta do apartamento se abrindo. Em seguida, passos cambaleantes. Era sua esposa. Desde a morte do filho, saía para beber todos os dias, e voltava cada vez mais deplorável. Ele esperou. Quem sabe ela não fizesse com que mudasse de opinião. Após alguns tropeços, seguidos de sonoros palavrões, ela entrou no quarto. Olhou para os olhos do marido. Ele sentia que alguma coisa sairia daquela boca, as palavras mágicas, transformadoras, palavras que ele esperara ouvir durante sua vida inteira, mas que nunca chegaram. Mesmo bêbada, ela entendeu mais ou menos o que estava acontecendo. E sentiu algo crescer dentro dela, algo que precisava pôr pra fora, que se debatia incontrolavelmente. A tensão chegou a níveis insuportáveis. Até que ela falou: "Seu desgraçado, você não pagou a fatura do cartão!" Bem, caro leitor, creio que você pode imaginar o que aconteceu depois.

2 comentários:

Fernando Neves - KroSS disse...

Meo, acho que vc já faz idéia do qu'eu vou falar. PORRA! QUE TEXTO LOUCO, CARÁLEO!!!
aUIAHIAhIUAHui!
Não aguentei.

Sério, k'ra. Esse texto tá sublime. Mta ironia, sarcasmos e aquele negócio que vc faz mtu bem: o final que nem ngm esperava.

E posso ser sincero? Do jeito que vc escreve eu não sei o que aconteceu dps, além do mais vc é o mestre no inesperado.

Tenho algumas hipóteses: Ele matou ela. Ou ele pagou a fatura lá do cartão.
Pq meo, nem a morte o livraria de alguma dor, ele aparece que nasceu pra sofrer. Já era.
aUIhIUIUAHuiAH!!!

É isso ae. Parabéns!

Thaís disse...

Sensacional!
Acho que ele deu o veneno pra esposa hein... hahaha
Adorei o texto por todos os ocorridos inesperados (o que é típico em seus contos) e pelo final que fica à mercê do leitor!
Parabéns pelo texto! Queria ter 1/5 do teu talento pra criação...

:*